Lições do escândalo Ted Haggard nos EUA - Silas Daniel


A comunidade evangélica nos Estados Unidos foi surpreendida, no início de novembro, com a notícia de que um de seus principais líderes estava envolvido em um escândalo sexual. Mas, não um escândalo sexual como qualquer outro. Este foi marcado por uma profunda contradição e ironia, que fizeram com que o caso se torna-se muito mais trágico.
O líder em questão, o pastor Ted Haggard, então presidente da Associação Nacional de Evangélicos nos EUA (que representa 33 milhões de evangélicos no país) e da mega-igreja pentecostal Vida Nova, com 14 mil membros no Colorado, era um dos principais ícones da luta contra a homologação do casamento homossexual nos Estados Unidos. Porém, caiu justamente por ter tido relações homossexuais com um garoto de programa de Denver.
No início, Haggard negou tudo. Mas, no domingo 5 de novembro, consumido pela culpa, confessou que teve relações com o rapaz e ainda comprou drogas. Antes, porém, imediatamente após as acusações virem a público, ele já havia renunciado a presidência tanto da Associação Nacional de Evangélicos quanto da igreja que fundara há 20 anos. Muitos evangélicos norte-americanos ficaram desnorteados com a notícia, sem saber como um homem com a conduta até então ilibada, casado, pai de cinco filhos, defensor ferrenho dos valores morais e da família segundo a Bíblia, pôde cair em tal perversão. Para se ter uma idéia, Haggard estava na lista dos 25 evangélicos mais influentes nos Estados Unidos, segundo a conceituada revista semanal Time. Sua queda já é considerada por muitos tão ou mais impactante do que a de alguns líderes evangélicos dos anos 80, como os pastores Jimmy Baker e Jimmy Swaggart.
Esse fato suscita, naturalmente, uma pergunta: O que leva nomes proeminentes do evangelicalismo, como Ted Haggard, a caírem?Tal reflexão se torna extremamente importante neste momento devido ao contexto espiritual que estamos vivendo. Sim, porque a queda de Ted Haggard nos ensina algumas lições sobre a verdadeira espiritualidade, que têm sido muitas vezes esquecidas em favor de um discurso e um estilo que podem parecer atraentes, bonitos e espirituais, mas que, na verdade, não têm nada a ver com a verdadeira espiritualidade. Se não, vejamos. Analisemos cada uma dessas lições.
1) O equívoco da ortodoxia sem vitalidade espiritual
Estamos em uma época em que o fundamentalismo cristão está em alta. Como ressaca à onda liberal encetada nos anos 60, o discurso fundamentalista voltou com força total ao mundo, principalmente de dez anos para cá. E isso foi bom no meio evangélico, porque a relativização moral, o liberalismo teológico, os modismos e o mundanismo já estavam começando a corroer a maior parte das igrejas. Principalmente nos Estados Unidos, esse movimento é muito forte hoje. Apesar das críticas de alguns líderes cristãos aos excessos do fundamentalismo cristão, esse movimento foi bem-recebido pela maioria dos cristãos norte-americanos por pregar a volta aos princípios bíblicos e morais que devem reger a humanidade.

Realmente, as igrejas precisavam e precisam urgentemente de um choque de ortodoxia e moralidade. O único problema é que essa onda fundamentalista parece que não veio seguida por uma vitalidade espiritual . Aqui está sua fragilidade. Não adianta ser fundamentalista em princípios, defender os valores morais, se a nossa própria vida espiritual está em frangalhos.O fato de sabermos o que é certo e o que é errado não nos impede de pecar. O rei Salomão, que se tornou o mais sábio de todos, pecou, mesmo com toda sabedoria que recebera. O fato de saber a verdade não o impediu de fazer a coisa errada.
As Sagradas Escrituras afirmam que é preciso cultivarmos nossa comunhão com Deus para que não nos tornemos presas fáceis para o pecado (Ef 6.10). Quem não atenta para isso pode até ser ortodoxo em suas afirmações, mas vive um cristianismo de fachada. E se chega a viver em obediência à Palavra de Deus, o faz somente por dever (só porque sabe que deve obedecer) e não também por prazer. Falta vitalidade espiritual.
Em síntese: Não basta pregar a verdade, é preciso também viver na verdade; e isso só é possível se mantivermos nossa comunhão com Deus.
2) Lutar externamente contra um pecado que ainda não foi vencido internamente resulta em queda fatal
Outro perigo é o de se envolver externamente na luta contra um determinado pecado apenas como reflexo da luta que estamos tendo internamente contra esse pecado.
A Psicologia diz que há pessoas que têm fixação em fazer campanha contra determinado ponto exatamente porque têm problemas naquela área que tanto atacam. Essa reflexão veio à tona no meio evangélico pela primeira vez por ocasião da queda do pastor Jimmy Swaggart no final dos anos 80. Swaggart era um dos maiores defensores da pureza moral. Ele pregava constantemente contra a prostituição e o adultério, temas recorrentes em sua mensagem. E quando caiu, exatamente nessa área, descobriu-se que já havia alguns anos que Swaggart estava com problemas nesse campo. Suas pregações constantes sobre esses temas eram, portanto, reflexo de sua luta interior nessa área. Se Haggard e Swaggart tivessem, antes de ficar batendo pública e constantemente naquelas áreas, resolvido seus problemas interiores, não teriam se tornado presas fáceis para o pecado. Se necessário, poderiam ter procurado ajuda. Porém, em vez disso, preferiram esconder seu problema e reproduzir externamente a luta interna que estavam enfrentando cotidianamente. Isso só fez agigantar o problema e sacramentar o caminho da queda. Antes de pregarmos contra o pecado, devemos, nós mesmos, sermos libertos do pecado e do poder do pecado em nossas mentes e corações. Assim como é claro que todos os tipos de pecado devem ser combatidos, é igualmente óbvio que as pessoas que os combatem estejam libertas dos mesmos. Se não, será uma verdadeira hipocrisia, que não agrada a Deus e leva as pessoas a se afastarem da Verdade.
3) O perigo do triunfalismo
Infelizmente, estamos vivendo em uma época em que os discursos hedonista e triunfalista têm influenciado o cristianismo. Vide a Teologia da Prosperidade e o Movimento da Confissão Positiva. Com isso, muitos cristãos estão deixando de lado a dependência de Deus e apoiando-se em si mesmos, vivendo um "cristianismo humanista", onde o ser humano passa a ser o centro, e não mais Deus. Esse tipo de evangelho tem levado muitos cristãos à decadência espiritual. O triunfalismo tem feito verdadeiros estragos na vida espiritual de muitos crentes. O orgulho, sabemos, é a raiz de todos os demais pecados. Foi assim com o pastor norte-americano Jimmy Swaggart, e tem sido o mesmo com o pastor Ted Haggard. Em algum ponto de sua vida espiritual, em vez de procurar ajuda, ele envolveu-se com o pecado e permaneceu nele até que fosse descoberta sua sujeira. E quando a verdade apareceu, negou-a veementemente, até que "a ficha caiu" e confessou o pecado. Haggard disse em sua confissão que era "um enganador e mentiroso", e que já havia algum tempo que convivia com "um lado escuro" que tinha medo de revelar. Mesmo assim, tentou diminuir um pouco a gravidade do seu erro, dizendo que a relação homossexual que teve foi "uma única vez" (e não tantas vezes como declarara seu acusador) e que comprou drogas mesmo, em um momento de tentação, mas não chegou a usá-las. Suas declarações provocaram críticas por parte de líderes evangélicos. Isso porque, até na hora de confessar o erro, movido pelo seu orgulho próprio, Haggard tentou preservar-se de dizer a verdade por inteiro. Como se o que já tivesse confessado já não fosse terrível o suficiente.
Indicamos duas obras importantíssimas sobre esse assunto no mercado editorial brasileiro: Orgulho Fatal, do pastor norte-americano Richard Dortch, e Por que caem os valentes?, do pastor José Gonçalves.
4) Cuidado com a tentação do ativismo sem qualidade de vida espiritual
Estagnação, sabemos, não significa qualidade de vida espiritual. Nossa vida com e para Deus deve ser ativa e dinâmica (Dn 11.32). Porém, superativismo na obra do Senhor também não é sinal de espiritualidade sadia. Além de fazer mal psicológica, física e espiritualmente, é possível ser superativo e moralmente equivocado (Mt 7.21-23).
Haggard era um ativista engajado, mas descuidado com sua vida espiritual. Uma coisa não deve colocar a outra em detrimento. Nunca. 5) O nosso referencial é JesusMais uma vez, em momentos como esse, não podemos deixar de ressaltar que nosso modelo de vida espiritual não devem ser líderes e ícones no meio evangélico, mas Jesus. Quem não observa isso, acaba se decepcionando com a vida cristã quando se depara com o primeiro erro de um grande líder admirado.Como Haggard não era muito conhecido no Brasil, não exercendo praticamente nenhuma influência sobre a igreja brasileira, naturalmente sua queda não nos afetou. Mas, imagine nos EUA, onde ele era uma referência para muitos evangélicos?
A Bíblia diz que uma espiritualidade sadia se apóia em Cristo, o Alvo, Autor e Consumador da nossa fé (Fp 3.12-16; Hb 12.1-3), não em ícones humanos. Mesmo que o líder tenha um currículo invejável, pecamos quando fazemos dele nossa referência espiritual. Além disso, espiritualidade sadia não é definida por estatísticas grandiosas. Se fosse assim, o islamismo, que cresce avassaladoramente em todo o mundo, seria padrão de espiritualidade sadia. A verdadeira espiritualidade é caracterizada pelo fruto do Espírito, obras de justiça segundo o Evangelho de Cristo (Mt 7.16-23; Gl 5.22). Por isso, grandes homens só são exemplo enquanto seguirem a Cristo (1Co 11.1; Gl 1.8,9).Que essas lições, mais uma vez ilustradas por um terrível caso, possam ser apreendidas e aplicadas sempre em nossas vidas para manutenção de nossa saúde espiritual.

Comments

Anonymous said…
"Outra vez me volvi, e vi vaidade debaixo do sol. Há um que é só, não tendo parente; não tem filho nem irmão e, contudo, de todo o seu trabalho não há fim, nem os seus olhos se fartam de riquezas. E ele não pergunta: Para quem estou trabalhando e privando do bem a minha alma? Também isso é vaidade e enfadonha ocupação.
Melhor é serem dois do que um, porque têm melhor paga do seu trabalho.
Pois se caírem, um levantará o seu companheiro; mas ai do que estiver só, pois, caindo, não haverá outro que o levante. Também, se dois dormirem juntos, eles se aquentarão; mas um só como se aquentará? E, se alguém quiser prevalecer contra um, os dois lhe resistirão; e o cordão de três dobras não se quebra tão depressa."

Eclesiastes 4:7 -12
Anonymous said…
Claro que o nosso referencial é Jesus. E por isso não nos devemos sentir decepcionados com a vida cristã quando nos deparamos com os erros de um irmão. Mas, são erros que nos fazem sofrer e afectam o nosso testemunho porque somos o Corpo do Senhor. O que pode ser feito? Está escrito: “A minha graça te basta, porque o meu poder se aperfeiçoa na fraqueza. Por isso, de boa vontade antes me gloriarei nas minhas fraquezas, a fim de que repouse sobre mim o poder de Cristo.” (2 Co 12:9). Nas lutas externas em que nos envolvemos precisamos de ter presente as nossas fraquezas e a intercessão, comunhão, apoio e vigilância de todo o Corpo a começar pela igreja local. Façamos a nossa parte e o poder de Cristo manifestar-se-á.
Anonymous said…
"E por se multiplicar a iniquidade, o amor de muitos esfriara" (Mt. 24. 12)
Imagino o que deve acontecer nos bastidorers da vida de muitos grandes pregadores por aí hem!
Não devemos nunca nos esquecer que "homem, é homem"

http://prjoaogomes.blogspot.com/2007_12_01_archive.html

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